O tema da redação do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) deste ano trouxe a tona uma importante discussão: a realidade educacional do surdo no Brasil. Pensar a educação para a pessoa surda é também refletir sobre o papel de cada indivíduo da comunidade escolar comprometido com a inclusão. Mesmo sendo de extrema importância, o assunto surpreendeu muitos estudantes, especialmente aqueles que não têm contato com este tipo de deficiência, e gerou polêmica acerca do uso dos termos para se referir aos surdos. Os candidatos ficaram inseguros quanto ao uso, por exemplo, de ‘’deficiência auditiva’’, receosos de que pudessem ter uma pontuação mais baixa ou até mesmo a anulação do texto. Calma! Isso não vai ocorrer. Os corretores aceitarão esse e outros sinônimos, pois, infelizmente, a devida terminologia não é de conhecimento geral. A dificuldade em discorrer sobre o tema, por ignorância ou preconceito, fez com que jovens do Brasil todo procurassem saber mais após a prova e, ainda que minimamente, adquirissem um conhecimento significativo. Nas redes sociais, os principais comentários foram sobre a diferença entre a surdez e deficiência auditiva e as dificuldades enfrentadas pela comunidade surda ao realizar o próprio ENEM. A discussão deu voz a um grupo pouco mencionado nas políticas públicas educacionais.
A língua portuguesa é um idioma rico em vocabulário e semântica, servindo assim a diversos interesses ao comunicar uma ideia de forma direta, clara, honesta ou repleta de mensagens implícitas e preconceituosas. A utilização da linguagem e termos adequados a cada situação é uma competência a ser trabalhada em sala de aula por professores de todas as disciplinas, pois promover uma prática linguística inclusiva é responsabilidade de toda a comunidade escolar. Mas será que sabemos nos referir de forma adequada e respeitosa a todos os grupos sociais? Certamente não. Por isso, é necessário humildade e disposição para ouvir a perspectiva do outro e, assim, aprender a dirigir-se corretamente.
Segundo o linguista José Luiz Fiorin, no artigo A linguagem politicamente correta, devemos utilizar uma linguagem que não fere o outro e nem perpetua ideias preconceituosas. Referir-se a alguém como surdo, com devido respeito e inserido em um contexto adequado, não é uma ofensa. É muito comum utilizar palavras no diminutivo e eufemismos para tentar minimizar e demonstrar piedade. Não é necessário apiedar-se das pessoas com deficiência. A deficiência é apenas uma característica e não resume a sua existência.
Surdinho, mudinho, ceguinho… Quantas vezes você já ouviu e, até mesmo, utilizou essas expressões? Elas não são adequadas. Reportar-se às pessoas com deficiência como portador de deficiência ou portador de necessidades especiais – necessidades especiais surgiu como um eufemismo para tentar, sem sucesso, amenizar o peso da palavra deficiente nos anos 90 – é, de mesmo modo, incompatível. O verbo portar pressupõe que trazemos algo do qual é possível desfazer-se, como uma sacola ou um copo plástico, o que não se aplica às deficiências. De acordo com o manual de comunicação da Secom, secretaria do governo responsável pela comunicação e mídia, os termos surdo, pessoa surda, pessoa com deficiência auditiva ou deficiente auditivo são os mais apropriados.
Contudo, não é suficiente ser politicamente correto no uso da linguagem, urge oferecer condições igualitárias de acesso à educação, saúde e outros direitos básicos a grupos que se encontram à margem do que a sociedade aceita e privilegia. Assim, mais do que adequar a linguagem utilizada, devemos adequar as nossas atitudes e cobrar de nossos governantes melhores políticas públicas que contemplem as pessoas com deficiência.
Professora Luana Helena Ribeiro | Instituto São José
Fontes:
http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao01/artigos_alinguagempoliticamentecorreta.htm
http://www2.camara.leg.br/a-camara/programas-institucionais/inclusao-social-e-equidade/acessibilidade/como-falar-sobre-as-pessoas-com-deficiencia
https://www12.senado.leg.br/manualdecomunicacao/redacao-e-estilo/estilo/linguagem-inclusiva
https://www.selursocial.org.br/terminologia.html
https://www.selursocial.org.br/porque.html