No ano de 1875, Dom Bosco iniciava a expansão de sua Obra, além dos limites europeus, atravessando o Atlântico e chegando à América, mais precisamente à Argentina. Conforme seus biógrafos, este empreendimento não se deu por acaso nem de maneira improvisa.
Desde a juventude, Dom Bosco havia sentido os apelos das terras distantes. Jovem sacerdote aprendeu um pouco de espanhol e não partiu para terras longínquas, com os Padres Oblatos de Maria, porque foi impedido por seu conselheiro espiritual que afirmava que sua missão estava entre os jovens da periferia de Turim.
Dom Bosco ficou entres seus meninos, mas não abandonou o ideal missionário. Numa noite, do ano de 1871, um ‘sonho´ inflamou ainda mais o desejo de transplantar seus salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora. Nesse sonho, ele se viu transportado a uma imensa e desconhecida região selvagem, emoldurada por uma altíssima cadeia de montanhas, habitada por homens de grande estatura, cor bronzeada, seminus e de aparência feroz. Todos com peles de animais nos ombros, nas mãos lanças e laços corriam pela planície, caçando animais, lutando entre si, atracando-se com soldados europeus e deixando o campo coberto de cadáveres.
“De repente, diz Dom Bosco – aparece no horizonte um grupo de homens que, pela maneira de trajar, logo reconheci como missionários. Aproximam-se daqueles infelizes com o rosto sorridente que se preparavam para lhes pregar o evangelho. Fitei alguns para ver se conhecia a que Ordem pertenciam ou até mesmo se os conhecia pessoalmente. Tudo em vão! Aliás, os selvagens não deram tempo para isso. À medida que os iam alcançando, atiravam-nos por terra, assassinavam-nos e reduziam-nos em pedaços(…) Eu pensava comigo: quem poderá conseguir converter esses selvagens? Estava imerso nestas reflexões, quando vi aparecer, do mesmo lado do horizonte, um segundo grupo de missionários. Não eram muito numerosos, mas tinham um ar alegre e vinham precedidos por uma multidão de meninos. Vão também assassiná-los, pensei. E me pus a observá-los para ver se os reconhecia. Alguns, sim. Eram todos salesianos e poderia nomear diversos deles. Fiz então sinais para que parassem, pois estavam correndo ao encontro da morte. Mas, não foi assim! Apenas se aproximaram, aqueles homens lhes faziam festas, depuseram as armas, deixaram a ferocidade natural e receberam aos recém-vindos com sinais de simpatia. “Vamos ver em que vai dar isto!”, pensava. E com minha grande surpresa, tudo acabou muito bem. (…)” ¹
A partir desta noite, Dom Bosco procurava nos atlas, nas ilustrações dos livros, nas descrições de viajantes, nas conversas com missionários de passagem, os traços dos selvagens do sonho que tanto o impressionara. E um dia, o cônsul da Argentina, Comendador João Gazzolo, residente em Savona, conheceu os salesianos que ali trabalhavam e manifestou o desejo de tê-los em sua Pátria. Em 1874, indo a Turim, visitou Dom Bosco e, propôs-lhe, principalmente, em nome do Arcebispo de Buenos Aires, que aceitasse a evangelização das imensas regiões desertas que se estendem ao sul da Argentina: Patagônia, Terra do Fogo e Arquipélago de Magalhães. Durante a conversa com o Diplomata, ficou claro para Dom Bosco que os ‘selvagens do sonho’ eram os Patagões do extremo sul argentino e imediatamente aceitou o pedido.
Além de anunciar Jesus Cristo aos ‘desconhecidos’ de além-mar, era, como afirma Pietro Braido, resposta “em face de suas preocupações mais ou menos explícitas: a instituição, a Congregação, podia correr risco do apagamento e da fossilização caso não se lançasse em novos objetivos, como acontece – segundo sua doutrina espiritual – em todo caminho de aperfeiçoamento moral e religioso que pare na satisfação de objetivos já alcançados(…) Não se deve também excluir a vontade de se livrar dos muitos assédios locais e legalistas, em nível civil e canônico: de um lado, títulos acadêmicos, inspeções, regras paralisantes; de outro, as rigorosas normas sobre ordenações, a excessiva institucionalização da formação religiosa, a imposição de etapas e vínculos inflexíveis na formação cultural, (…)” ²
Também para este novo projeto, Dom Bosco recebeu o incentivo de Pio IX que recomendou aos salesianos duas metas principais na América do Sul: dar assistência aos filhos dos numerosos imigrantes italianos e ocupar-se da evangelização dos indígenas, inaugurando assim novas frentes para as atividades educativas dos salesianos, porém, sem perder de vista a finalidade primeira do atendimento à juventude pobre e sedenta de amor.
No dia 14 de novembro de 1875, os dez primeiros missionários salesianos, liderados pelo Padre Giovanni Cagliero³ , zarparam do Porto de Gênova e desembarcaram em Buenos Aires no dia 17 de dezembro, iniciando uma nova história no Novo Continente. Em Buenos Aires e em San Nicolás de los Arroyos fundaram obras destinadas, principalmente, aos imigrantes italianos, conforme a recomendação da Santa Sé, porém, “o apostolado dos salesianos não deveria limitar-se à população de origem europeia, pois, ninguém desconhecia o objetivo distante: a Patagônia”4 . E, quatro anos depois, iniciaram as atividades missionárias entre os patagões.
Em 1876, os Salesianos chegaram a Montevidéu, Uruguai, no dia 11 de dezembro e a primeira casa fundada foi o Colégio Pio de Villa Colón, sob a direção do Padre Luís Lasagna.5
De 1878 a 1881, a América Latina foi considerada única Província, com sede em Buenos Aires, abrangendo as Obras da Argentina e do Uruguai.
Em 1887, começa a história missionária das Filhas de Maria Auxiliadora como narra a Cronistória: “No dia 08 de setembro –festa de Maria Santíssima e primeiro sábado – é comunicada à comunidade a decisão de Dom Bosco para uma primeira partida das FMA para a América: sua meta será o Uruguai. Ao ouvir tão bela notícia, um hino de alegria se eleva de cada coração: todas são gratas a Nossa Senhora pela escolha que quis fazer de tão pobres filhas para enviá-las além-mar pela redenção de tantas almas sedentas de luz, de vida eterna” (I volume da Cronistória das FMA, p. 220.)
Entre as muitas que se ofereceram, foram escolhidas seis, todas muito jovens e Irmã Angela Valllese6 eleita como superiora. Antes da grande viagem são recebidas pelo Papa Pio IX, que com grande ternura, dirige-lhes as palavras: “sede como conchas das fontes que recebem a água e a derramam para utilidade de todos: conchas de virtude e de ciência…Como verdadeiras mães, solícitas e amorosas, fareis muito bem” (Cf. Cronistória, volume I p. 227).
No dia 14 de novembro, as Filhas de Maria Auxiliadora, juntamente com a terceira expedição missionária dos salesianos, partem para o Uruguai, e na solene despedida, Dom Bosco explica-lhes: “Não sereis logo missionárias entre os selvagens, mas começareis a consolidar o Reino de Deus no meio dos fiéis que o abandonaram: depois, haveis de propagá-lo entre os que não o conhecem”. Realmente, começaram a trabalhar em Villa Colón, numa casa muito pobre e três anos depois iniciam, com os Salesianos, o tão desejado trabalho com os indígenas na distante Patagônia.
No dia 14 de junho de 1883, os Salesianos chegaram ao Brasil, mais precisamente a Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, depois de amplas conversações e entendimentos entre o Bispo do Rio de Janeiro, Dom Pedro Maria de Lacerda e os Superiores da Congregação. Conforme o historiador Riolando Azzi, “Os primeiros discípulos de Dom Bosco não se instalaram em nossa Pátria espontaneamente, ou seja, a partir de uma decisão da Congregação, mas, sim como resposta a uma solicitação de diversos membros do episcopado brasileiro, empenhados no movimento de reforma católica(…) Desde meados do século XIX iniciou-se no Brasil um importante movimento do episcopado brasileiro, empenhado na substituição do antigo modelo eclesial da Cristandade, de origem medieval, implantado no período colonial, pelo modelo de Igreja considerado como sociedade hierárquica, preconizado pelo Concílio Tridentino. Na realidade, a Igreja do Brasil nasceu como um departamento do Estado Lusitano, em vista dos direitos de Padroado conferidos pela Santa Sé à Coroa de Portugal. Durante todo o período colonial, e ainda nas primeiras décadas do século XIX, o chefe efetivo da Igreja aqui estabelecida era o monarca lusitano, sucedido posteriormente pelo imperador do Brasil”7
Desde 1878, Dom Bosco e sua obra tornaram-se admirados no Brasil graças à imprensa que se referia com grandes elogios ao trabalho educativo que os salesianos vinham fazendo em favor dos meninos pobres de Turim. Alguns anos depois, da mesma forma, as Filhas de Maria Auxiliadora se tornaram conhecidas e desejadas, tanto pelas autoridades eclesiásticas como pelas civis que reconheciam a urgência da educação das meninas brasileiras de todas as classes sociais.
O grande intermediador da vinda das Salesianas para o Brasil foi Monsenhor João Filippo, nascido em 1845, em São Vicenzo de Cosenza, Itália, que após a sua ordenação sacerdotal escolheu o Brasil, mais precisamente, a cidade de Guaratinguetá, no Estado de São Paulo, como seu campo de missão e apostolado sacerdotal.
Silva8 descreve Monsenhor Filippo como benfeitor da cidade e alguém com autoridade junto à população pobre e à camada dos aristocratas, os proprietários rurais, donos de fazenda de café. Para melhor atendimento da população, patrocinou reformas de igrejas, ampliação e melhoramentos no prédio da Santa Casa de Misericórdia, fundação do Asilo de Santa Isabel. Preocupado com a educação fundou um colégio para meninos e construiu o Colégio do Carmo para as meninas com a intenção de entregá-lo às Filhas de Maria Auxiliadora.
Monsenhor Filippo, durante a construção do Colégio, manteve-se em contato com Dom Lasagna, Inspetor Geral das Missões na América, encarregado da expansão da obra salesiana nos países da América do Sul, por intermédio dos Salesianos estabelecidos no Rio de Janeiro, e solicitou-lhe a presença das Filhas de Maria Auxiliadora no Brasil, mais precisamente, em Guaratinguetá, oferecendo o Colégio para acolher as tão esperadas educadoras segundo o espírito de Dom Bosco, assim descrito no primeiro livro de Crônicas do Colégio Nossa Senhora do Carmo:
“(…) O Collegio de Nossa Senhora do Carmo, cuja construção fora iniciada em 1887 e terminada em 1891, ergue-se sobre trezentos palmos de comprimento e cento e quarenta e cinco de largura. É defendido das faíscas electricas por três para-raios de superior qualidade, com boquel de ponta de platina, sendo um de seis metros, outro de quatro metros e outro de três com corda conductor ligando o para-raio da torre aos outros até a chapa do edifício, sendo a corda de sete cordões de sete fios cada um. O Collegio é um sobrado que tem acomodações para mais de 400 meninas, com vastíssimos salões perfeitamente arejados reunindo todos os requisitos das mais escrupulosa hygiene, servido por uma canalisação de água potável de primeira qualidade e abundante, exclusivamente do Collegio. No centro há uma área espaçosa no meio da qual levanta-se uma colunna que serve de chafariz. A Capella é de optimo gosto, elegante, avarantada podendo as alunnas ouvir missa e assistir aos demais officios do culto, do pavimento superior. (…)”
Dom Lasagna apresentou a Dom Rua, então Superior da Congregação, que aceitou a solicitação e a generosa oferta de Monsenhor João Filippo.
E no ano de 1892, começa a história das Filhas de Maria Auxiliadora no Brasil, confundindo a história da Inspetoria Santa Catarina de Sena com a história da primeira casa, Colégio Nossa Senhora do Carmo de Guaratinguetá:
“No anno de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito centos e noventa e um, occupando a sede pontifícia o augusto Pontifice S.Santidade Leão XIII, governando o Bispado de São Paulo, S. Excellencia Reverendissima o Senhor Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, sendo Vigario da Parochia de Guaratinguetá o Reverendissimo Conego Benedicto Honoro Ottoni; sendo Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, o Marechal Floriano Peixoto e Presidente do Estado de São Paulo o Doutor Bernardino de Campos – o Reverendissimo Padre João Filippo, oriundo da cidade de Cosenza em Italia e residente na cidade de Guaratinguetá há uns vinte annos. Offereceu à Congregação Salesiana, um vasto e bello edifício situado sobre a pittoresca collina de S. Gonçalo próximo à cidade, com o fim de ser aberta uma casa de educação para meninas. O Reitor Maior da Congregação Salesiana, o Reverendissimo Padre Miguel Rua e a Superiora Geral das Filhas de Maria Auxiliadora, a Reverenda Madre Catharina Daghero representados, o primeiro no Inspetor das Casas Salesianas do Uruguay e Brazil, o Reverendissimo Padre Luiz Lasagna e segunda na Visitadora das Casas das Filhas de Maria Auxiliadora do Uruguay a Reverenda Madre Emilia Borgna, acceitaram a offerta bem como a de uma casa em Lorena e outra em Pindamonhangaba para idêntico fim.
No dia cinco de Março de mil oito centos e noventa e dous, partiram de Montividéo, capital da Republica Oriental do Uruguay, doze Irmãs, Filhas de Maria Auxiliadora com o fim de abrir as ditas três Casas. Foi nomeada Superiora, representante da Visitadora a Reverenda Madre Thereza Rinaldi. Vieram em sua companhia as Irmãs Florinda Bittencourt, Helena Hospital, Paula Zuccarino, Joanna Narizano, Dolores Machin, Anna Couto, Dilecta Maldarin, Justina Gros, Francisca Garcia e as Noviças Mathilde Bouvier, Maria Luiza Schillino. A expedição veio acompanhada pelo Rev.mo Padre Domingos Albanello que tinha sido nomeado Prefeito do Collegio de São Joaquim em Lorena e pelo Rev.mo Padre Thomé Barale.
O Rev.mo Padre Inspector Luiz Lasagna, em razão da sua próxima partida para Itália onde ia assistir ao Capitulo Geral, não pode, como intencionava, acompanhar a expedição.” 9
Assim vinham do Uruguai e não diretamente da Itália, as primeiras Irmãs de Maria Auxiliadora ao Brasil. Eram missionárias italianas, uruguaias e o que há de mais interessante, uma delas, Irmã Anna Couto, era brasileira – havia entrado na Congregação no Uruguai e, por motivo de saúde, fora enviada ao Brasil, para ver se os “ares nativos” poderiam curá-la.
As Irmãs chegaram ao Rio de Janeiro pelo navio Sud América, no dia 10 de março de 1892 e se hospedaram no Asylo Sancta Leopoldina das Irmãs de São Vicente de Paulo. Às quatro horas da tarde do dia 13 de março chegaram a Lorena; no dia 15, receberam a visita do Padre João Filippo. Somente no dia 16 chegaram a Guaratinguetá, São Paulo, acolhidas pelo grande benfeitor, autoridades, povo, como escreveu a superiora Madre Teresa Rinaldi ao Superior Geral, Dom Miguel Rua:
“Faz um mês que nos encontramos nesta República: creio que o Senhor terá sabido por outros a recepção que tivemos. Em todo caso lhe direi que parecem coisas do outro mundo, e que ficamos muito confusas ao ver-nos assim acolhidas. Atribuímos tudo à maior glória de Deus, e da cara congregação salesiana, à qual estamos felizes de ser agregadas. Nas três paradas que fizemos, nos veio receber um mundo de gente com música e procissão, e com todas as autoridades eclesiásticas e civis. Oh! Como amam Dom Bosco nestas regiões!” 10
O Vale do Paraíba é o berço da Obra das FMA no Brasil. As cidades situadas na região apresentavam aspecto tipicamente interiorano. A Igreja era símbolo da religião católica, elemento integrante da formação social luso-brasileiro. Os proprietários de terras e de escravos controlavam a vida pública.
Os moradores tinham, em geral, horizontes culturais bastante restritos. Era pequena a área de influência dessas cidades, pois, os habitantes preocupavam-se quase que apenas com os seus assuntos locais devido à distância dos centros mais importantes: São Paulo e Rio de Janeiro.
É dentro dessas perspectivas limitadas que as Irmãs passam a realizar a sua atividade educacional e assistencial. Em consequência da cultura, sobretudo, cafeeira as diversas localidades do Vale ofereciam instrução elementar para as crianças, mas, em razão da situação de dependência da Mulher, dava-se mais importância à escolarização dos meninos. Portanto, na região do Vale do Paraíba, a presença das FMA, foi fundamental de para educação feminina.
Em fins do século XIX, multiplicaram-se no País os internatos para meninas e jovens; também as FMA consideraram este regime como ideal para a educação da juventude, procurando valorizar o mais possível o internato para preparar a jovem adequadamente para a futura vida familiar, ao mesmo tempo, que a defendia dos eventuais perigos decorrentes da vida social. A formação cristã das meninas era, sem dúvida, a razão principal da atividade educativa das Irmãs. Além da educação da fé, havia outros objetivos principais: a formação moral, a preparação para a vida do lar e a preocupação com a orientação para possível vida consagrada.
As Irmãs abriram também externatos e Oratórios Festivos onde primava a Associação das Filhas de Maria.
A presença dos imigrantes italianos na Capital de São Paulo e no Oeste Paulista foi um estímulo para procurar implantar nessa região a Obra de Dom Bosco, estimulando também a presença das Irmãs, principalmente, com as fundações de: Araras, Batatais e Ribeirão Preto.
A primeira fundação de Colégio na capital paulista – 1894 – não teve resultados esperados e a obra acabou absorvida pelo Asilo do Ipiranga, cuja direção foi confiada às Irmãs, em 1896 pelo Dr. José Vicente, sobrinho do conde Moreira Lima, e vinculado à aristocracia rural do Vale do Paraíba.
A fundação do Colégio Santa Inês, em 1907, no bairro operário Bom Retiro, significou ainda o direcionamento das Irmãs para o atendimento privilegiado das filhas de italianos e seus descendentes, conforme as orientações do próprio Dom Bosco, fiel às diretrizes pontifícias. Com o passar do tempo, a imigração estrangeira expandiu-se no Bairro com a chegada de judeus, gregos, armênios, peruanos…(e mais recentemente sul-coreanos e bolivianos), provocando transformações culturais e sociais com aquilo que cada etnia trazia como herança cultural de seus locais de origem. As FMA têm acompanhado grande parte das transformações culturais e sociais assumindo a educação de descendentes de todas essas variadas etnias.
O terrível acidente ferroviário ocorrido em Juiz de Fora, em 1895, provocou o falecimento de Don Luis Lasagna que estava em tratativas para a fundação da Obra das FMA no Estado de Minas Gerais; assim sendo, tal Obra só foi iniciada no ano de 1896 com a fundação da Santa Casa de Ouro Preto e do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora de Ponte Nova.
Nesse mesmo ano, os Salesianos estabeleceram-se em Cachoeira do Campo e em 1904 as Irmãs também fundaram Obra na cidade.
A partir de 1909, as Irmãs se estabeleceram também na cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, com a fundação do Externato Santa Teresa e do Oratório festivo Nossa Senhora Auxiliadora.
A atividade missionária era considerada uma tarefa que envolvia numerosos perigos e riscos de vida, sendo necessário, para tal, muita coragem e resistência. Apesar das dificuldades e sacrifícios que envolviam a vida missionária, as Irmãs sempre estiveram ao lado dos salesianos na tarefa de catequese e civilização dos índios a partir da primeira experiência missionária na Colônia Teresa Cristina, no Mato Grosso, de 1895 a 1898.
A partir de 1901, estiveram presentes nas três Colônias indígenas do leste do Mato Grosso: Colônia Sagrado Coração de Jesus em Tachos, Colônia Imaculada no Rio das Garças e Colônia São José em Sangradouro; colaboraram ainda na Colônia de Palmeiras, um entreposto das missões. Setores específicos na atuação das Irmãs: cuidado da alimentação, vestuário e saúde dos Salesianos e, ao mesmo tempo, educação e catequese das mulheres e das crianças indígenas.
Em Mato Grosso, além da atuação nas missões, as Irmãs desenvolveram atividades em estabelecimentos educativos, obras assistenciais e colaboração com a organização doméstica das comunidades salesianas: Asilo Santa Rita em Cuiabá, uma obra análoga em Ladário; no setor de saúde, o Hospital Beneficente de Corumbá; Coxipó da Ponte, rouparia do noviciado salesiano; Colégio de São Gonçalo de Cuiabá; Colégio Imaculada Conceição de Corumbá e Colégio Santa Catarina em Cuiabá.
A dependência dos Padres salesianos é, sem dúvida, uma das características dessa etapa da implantação da Obra das FMA no Brasil, pois, os filhos de Dom Bosco tinham poder de decisão na condução das Inspetorias e comunidades locais.
Nessa etapa, grande era o número de jovens desejosas de ingressar no Instituto das FMA atraídas pelo caráter familiar e alegre dominante nas comunidades religiosas. O espírito de sacrifício ocupava um enfoque destacado na formação dos futuros membros do Instituto em sintonia com o padrão estabelecido pela doutrina católica referente ao papel da mulher na sociedade.
Merece destaque,nessa etapa, o papel pioneiro das FMA nas atividades missionárias.
Faltava ainda uma definição mais clara sobre o carisma educativo do Instituto, sendo por vezes as religiosas confundidas com as “Irmãs de Caridade”, por seu atendimento na esfera da saúde e assistência social.
Na medida em que as FMA iniciaram a implantação da obra salesiana no Brasil, foi também organizado o governo inspetorial.
Em 1892, Irmã Teresa Rinaldi foi nomeada Superiora e representante da Visitadora, Madre Emilia Borgna, com o título de Vice-Visitadora. Em 1893, tendo sido criada a nova Visitadoria do Brasil, Madre Emilia Borgna voltou ao Uruguai e no dia 15 de outubro, Dom Lasagna apresentou “a Visitadora do Brasil na pessoa da Reverenda Madre Teresa Rinaldi”.
A festa de Santa Teresa, no dia 15 de outubro de 1895, em Araras, em homenagem a Madre Teresa Rinaldi contou com a presença de vários sacerdotes e do próprio Lasagna. Poucos dias depois, a Visitadora partia para Minas Gerais com a expedição organizada por Dom Lasagna para fundação de Casas naquele Estado. Tanto ela como o prelado foram vitimas do desastre ocorrido em Juiz de Fora a 05 de novembro.
Com a morte de Madre Rinaldi, a Irmã Ana Masera, mestra das noviças, foi designada como diretora interina do Colégio do Carmo.
A 20 de agosto de 1896, chegava a Guaratinguetá a Superiora Geral, Madre Catarina Daghero, e o Bispo Dom Cagliero. No dia 25 deste mês, o prelado apresenta à comunidade “os membros do novo Capítulo da Casa”, sendo Ana Masera designada oficialmente como Diretora do Carmo e Visitadora que acompanhou a Madre Geral na visita às diversas Casas das Irmãs.
1897 foram fechados os Colégios Imaculada Conceição de Pindamonhangaba e o Colégio Maria Auxiliadora de Lorena.
Em Guaratinguetá e Lorena, as Irmãs assumiram a direção interna das Santas Casas de Misericórdia, respectivamente nos anos de 1900 e de 1902.
Em 1904, foram abertas três novas Obras: Cachoeira do Campo em Minas; Batatais no Estado de São Paulo e a direção da Santa Casa em Ponte Nova. Em 1905, as Irmãs aceitaram a direção da Santa Casa de Ribeirão Preto; em 1907, dava-se início ao Colégio de Santa Inês em São Paulo.
Madre Ana Masera tomou parte, na Itália, dos Capítulos Gerais da Congregação: 1899, 1905 e 1907. Permaneceu no cargo por um período de 12 anos.
Ao participar do Capítulo Geral dos Salesianos, em 1886, o Padre Luis Lasagna propôs a criação de uma Inspetoria das FMA para o Uruguai e o Brasil, separada da Inspetoria Argentina. Aconteceu neste mesmo ano, em fase experimental, a criação da Visitadoria do Uruguai e Brasil. Como resultado de maior autonomia adquirida pelas FMA no Brasil, pelas distâncias, pela multiplicação de Obras, a 7 de fevereiro de 1908, a Visitadoria do Brasil é separada do Uruguai como Inspetoria Santa Catarina de Sena, com sede em São Paulo, no Colégio de Santa Inês.
Em janeiro de 1909, visita extraordinária da Madre Vigária do Conselho Geral, Madre Enrichetta Sorbone, que permanece na Inspetoria até o mês de novembro.
No período da gestão de Madre Emilia Borgna, a Sede da Inspetoria é transferida para o Colégio de Santa Inês em São Paulo. Seu mandato termina em 1916, transferida para o cargo de Mestra de Noviças em Lorena.
Em 1916, as superioras do Instituto decidiram que Madre Teresa Giussani assumiria o governo da Inspetoria Santa Catarina de Sena, permanecendo ao mesmo tempo como Inspetora do Mato Grosso.
Uma das primeiras tarefas da nova Inspetora foi organizar as celebrações comemorativas das Bodas de Prata da chegada das Irmãs ao Brasil.
Em seu mandato foram abertas: 1916: Asilo e Casa de Repouso Santa Isabel em Guaratinguetá; 1918: Colégio Nossa Senhora Auxiliadora de Ribeirão Preto e Instituto Nossa Senhora Auxiliadora de São Paulo; 1920: Casa Nossa Senhora das Graças– Noviciado do Ipiranga em São Paulo; 1921: Casa Maria Auxiliadora, em Ascurra, Santa Catarina.
A consolidação do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora em São Paulo deu-se no período:1917 – 1942.
Sob o ponto de vista político e econômico esta etapa é marcada pela afirmação do Estado de São Paulo no cenário nacional, em razão do desenvolvimento da cultura cafeeira, bem como do processo de urbanização e industrialização.
É, também, dentro desse espaço geográfico que as Obras das FMA terão um expansão mais significativa.
Do ponto de vista cultural, ocorre uma alteração significativa: à influência da cultura européia, sobretudo francesa, que marcara a chamada “belle époque”, sucede, após a Primeira Guerra Mundial, um despertar mais forte dos sentimentos nacionalistas; no Brasil, essa nova etapa é iniciada pela Semana de Arte Moderna em 1922.
Simultaneamente, também, na instituição católica, ocorrem mudanças expressivas: os Bispos reformadores, cuja preocupação básica fora o alinhamento da Igreja do Brasil aos ditames da Cúria Romana, gerando o processo de romanização, são agora suplantados pelos Bispos restauradores tendo como orientação principal afirmar a presença da fé cristã na sociedade brasileira, contando inclusive, para isso, com a colaboração do Estado. Existe, portanto, uma maior aproximação entre hierarquia eclesiástica e poder público.
Entre os Bispos, que se destacam nesta nova etapa, encontram-se alguns salesianos como Dom Francisco de Aquino Corrêa, Dom Henrique Mourão e os irmãos Dom Helvécio e Dom Emanuel Gomes de Oliveira. Esses prelados não apenas manifestarão seu apreço pela Obra das FMA, mas procurarão que as Obras das Religiosas se consolidem ou se expandam em suas respectivas dioceses.
Trata-se de fato, de um período em que se consolida a presença das FMA no País. Tendo como base e eixo o Estado de São Paulo, a atuação educativa hospitalar e assistencial das Salesianas de Dom Bosco também se fortalece e consolida numa área periférica, compreendendo os Estados de Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás.
Em modo análogo, a atividade missionária, já implantada no Mato Grosso, se estende agora para a região amazônica. Além disso, é iniciada também a presença das religiosas em típica área de imigração europeia, através da missão em Santa Catarina.
Por último, são lançadas algumas pontas de lança, com as primeiras fundações na região do Norte e Nordeste do Brasil.
Embora a atuação das religiosas continue ainda polivalente nessa etapa, nota-se uma afirmação progressiva da esfera educacional, sobretudo com a multiplicação das Escolas Normais.
Na primeira metade do século XX, principalmente, no Estado de São Paulo há um desenvolvimento cultural mais expressivo devido ao aceleramento do progresso econômico como consequência da expansão da lavoura cafeeira e do incipiente processo de industrialização, tendo como uma das consequências a necessidade, cada vez maior, de estabelecimentos de ensino e educação, superando-se uma tradição agrária de indiferença com relação ao conhecimento cientifico.
As FMA expandem sua rede escolar; além dos Colégios já existentes abrem-se o internato em Ribeirão Preto e os externatos: do bairro do Brás, São Paulo, em Santo André, em São José dos Campos, mantendo-se o externato de Lorena.
Na etapa inicial, prevalecia o ensino elementar; a partir dos anos 20 começam a ser incrementados os primeiros cursos de ensino médio com a iniciativa mais significativa das Escolas Normais, destinadas à formação de professoras primárias.
Nessa etapa histórica que se inicia em 1917, as FMA começam afirmar-se no setor educacional, mesmo continuando a atuar no campo da saúde e da assistência social. Nessa fase se consolida a imagem das Salesianas de Dom Bosco como religiosas educadoras e não mais como “Irmãs de Caridade”. As alunas passavam de uma visão marcadamente familiar, local e regional para uma perspectiva cultural mais abrangente, sendo introduzidas na chamada “cultura universal”.
No período da Consolidação da Inspetoria houve etapas dramáticas, tais como: o final da Primeira Guerra Mundial; a gripe espanhola em 1918; as revoluções paulistas de 1924, 1930 e 1932; e o início da Segunda Guerra Mundial em 1938.
Além do direcionamento em favor das Obras educacionais as FMA continuaram a ocupar-se às obras de assistência social e aos cuidados da saúde das camadas mais desprotegidas da população, mantendo-se à frente de 04 Santas Casas assumidas no período anterior: Lorena, Guaratinguetá, Ribeirão Preto e Batatais e, a partir de 1918, no Hospital da Caridade do Brás e de 1935 na Santa Casa de Misericórdia de São José dos Campos.
Ao lado dos hospitais, as Irmãs mantiveram-se também no Asilo Santa Isabel de Guaratinguetá e nos Asilos anexos às Santas Casas de Lorena e Batatais.
Neste período, tendo como polo irradiador o Estado de São Paulo, as FMA ocuparam-se de comunidades religiosas em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e Goiás.
O aspecto mais importante a ser assinalado é o aumento significativo de cursos normais. Essa será a característica dos Estados de Goiás e do Rio de Janeiro.
No campo hospitalar foi mantida a presença das Irmãs na Santas Casas de Ponte Nova e de Ouro Preto, porém, em 1926, a direção do hospital ouropretano foi transferida para as Irmãs Carmelitas da Providência.
Em 1921, as FMA iniciaram a implantação de sua obra no Estado de Santa Catarina onde os salesianos já atuavam desde 1916. As religiosas estabeleceram-se em Ascurra assumindo a antiga escola “Dante Aligheri” que passou a denominar-se Escolas Reunidas Dom Bosco.
Três anos depois, 1924, estabeleceram-se também em Rio dos Cedros, assumindo a direção das Escolas Paroquiais.
Essas duas Obras tiveram existência precária e efêmera. Em 1928, foi fechada a Casa de Ascurra e 1930, a de Rio dos Cedros.
A partir de 1928, as FMA implantaram sua obra em Rio do Sul. Somente a partir de 1942, as FMA passaram a realizar também o atendimento no Hospital Cruzeiro de Rio do Sul.
Nesta etapa, a obra de Dom Bosco em Santa Catarina era considerada como uma “missão”não só em razão de precariedade de recursos humanos e materiais, mas, também pela sua especificidade pastoral, ou seja, o atendimento aos colonos descendentes de imigrantes europeus.
Neste período, no Mato Grosso observa-se um surto inicial de progresso no sul do Estado.
A atuação das FMA foi mais expressiva em dois setores: educacional e hospitalar, porém, o Mato Grosso continuou sendo considerado, nesse período, como uma área missionária.
Atendendo a um pedido de Monsenhor Massa, futuro bispo salesiano, a Inspetoria Anna Covi de São Paulo organizou o primeiro grupo de quatro missionárias destinadas ao Rio Negro, AM, as quais chegaram a Manaus no dia 29 de janeiro de 1923 e, em São Gabriel das Cachoeiras no dia 16 de fevereiro, após 37 dias de viagem.
Em fevereiro, foi aberto o Oratório e já a 19 de março foi aberto o Externato.
A presença benéfica das Irmãs estende-se aos numerosos doentes tendo-lhes sido confiado o Dispensário gratuito e o Hospital.
A partir de 1925, as FMA passaram a trabalhar também na Missão de Taracuá. Em 1930, foi fundada a terceira comunidade missionária no Rio Negro, Jauareté. As Irmãs vindas de São Paulo chegaram ao local da missão no dia 22 de maio.
As Irmãs tinham a seu encargo dar às meninas instrução e educação conforme sua condição. As internas, além dos estudos elementares, eram ocupadas em trabalhos domésticos, cultivo da horta,etc.
A última comunidade missionária fundada pelas FMA, no Rio Negro, foi em Barcelos, inaugurada no dia 11 de março de 1934.
Além dessas quatro comunidades missionárias, fundadas na Prelazia do Rio Negro, as FMA fundaram também, nesse período, uma missão na Prelazia de Porto Velho, na localidade do mesmo nome, no dia 19 de março de 1930.
Em 1935, começou a funcionar o Ginásio e 1937 a Escola Normal Rural.
Em 07 de setembro de 1939 foi inaugurado, em Porto Velho, o Hospital São José.
Em 1926, as FMA marcaram sua presença em Pernambuco com o início da Obra em Petrolina. Na década de 30, surgiram três novas comunidades: Manaus, em 1930; Baturité em 1932 e Fortaleza em 1933.
1.3. INSPETORIA SANTA CATARINA DE SENA
No período da Consolidação das FMA, no Brasil, foram dados passos significativos em termos de melhor organização das províncias.
O território brasileiro foi dividido em três províncias. À primeira Inspetoria, com o nome de Santa Catarina de Sena, ficaram reservados os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde já haviam sido fundadas obras no período anterior. Passaram a ser incluídos nessa província também os Estados de Santa Catarina e de Goiás.
Ganhou novamente autonomia a Inspetoria de Mato Grosso, que até 1922 esteve sob a direção de São Paulo. Dessa Inspetoria continuaram dependentes as Casas fundadas na Prelazia do Araguaia.
Por último, foi criada a Inspetoria do Nordeste com Casas fundadas nos Estados de Pernambuco, Ceará, Pará e Amazonas.
Na introdução do terceiro volume das “As Filhas de Maria Auxiliadora no Brasil: cem anos de História”, o historiador Riolando Azzi (2003) afirma que as décadas de 40 e 50 são marcadas pela expansão das obras das Salesianas, por todo o território nacional: “as fundações atingem Uruguaiana, extremo sul do país, na fronteira com a Argentina, e do outro lado, no extremo norte, com as primeiras Irmãs chegando a Cucuí, localidade próxima às fronteiras da Venezuela e da Colômbia, em 1967; e ainda Corumbá, próxima à Bolívia”.
Essa expansão provoca uma nova organização territorial nas Obras por meio da criação de Inspetorias, com a divisão da Inspetoria Santa Catarina de Sena, de São Paulo, BSP:
Inspetoria Imaculada Auxiliadora – Campo Grande – 1941;
Inspetoria Maria Auxiliadora – Recife – 1941, abrangendo as regiões do Norte e Nordeste;
Inspetoria Madre Mazzarello – Belo Horizonte – 1948;
Inspetoria Laura Vicuña – Manaus – 1961 – desmembramento da Inspetoria de Recife;
Inspetoria Nossa Senhora Aparecida – Porto Alegre – 1967;
Inspetoria Nossa Senhora da Penha – Rio de Janeiro – 1984 – desmembramento da Inspetoria de Belo Horizonte;
Inspetoria – Nossa Senhora da Paz – Cuiabá – 1993 – desmembramento da Inspetoria de Campo Grande;
Inspetoria Santa Teresinha – Manaus – 2005 – desmembramento da Inspetoria Laura Vicuña de Manaus.
Por Ir. Maria de Lourdes Becker
Referência Bibliográfica
¹ Cf. Auffray, A, Dom Bosco, segunda edição, tradução de R. Zend., São Paulo, Livraria Editora Salesiana, 1955, p. 384-385.